Pode
ser que, em algum tempo do futuro, a consciência de nação e, no
interior dela, o sentimento de pátria, com sua forte emoção, deixem de
existir. Consola-nos, aos patriotas de hoje, que não sejamos obrigados a
viver esse eventual e terrível tempo. Viver sem pátria, como alguns a
isso são obrigados, pelas dificuldades de sobrevivência ou pelo exílio
político, é triste e terrível. Mais triste e terrível é renunciar à
pátria por comodismo ou por desprezá-la em suas circunstâncias difíceis.
Não se ama a pátria porque ela seja grande e poderosa, mas porque é a
nossa pátria – como resumiu Sêneca.
A etimologia nos diz que pátria é o adjetivo para a terra de nossos pais. É a terra pátria,
o que sugere a integração entre a realidade geográfica e a comunidade
que nela vive, identificada pela língua, pela cultura e, mais do que por
esses sinais, pelo sentimento de fraternidade. Por isso Renan diz que a
pátria é, no fundo, a solidariedade cotidiana.
Quando a Comissão de Estudos Constitucionais - a Comissão Arinos, como ficou conhecida - discutia
as idéias que lhe chegavam, a fim de elaborar uma sugestão articulada
da Constituição de 1988, houve uma preocupação geral dos pensadores e da
gente comum do povo, com relação à proteção do capital brasileiro
contra as investidas estrangeiras. O sentimento nacionalista e a
inteligência recomendavam medidas protecionistas claras, dentro de nossa
tradição republicana. O grande brasileiro Barbosa Lima Sobrinho as
resumiu, na definição do que deveria ser uma empresa nacional. O artigo
323 do anteprojeto, que ele mesmo redigiu, e a maioria aprovou era
claro: Só se considerará empresa nacional, para todos os fins de
direito, aquela cujo controle de capital pertença a brasileiros e que,
constituída e com sede no País, nele tenha o centro de suas decisões.
A Assembléia Constituinte aprovou este, e a maioria dos
dispositivos sugeridos pela Comissão. O governo Fernando Henrique
Cardoso, em obediência servil aos ditados de Washington, mediante
emendas ao texto da Constituição, castrou-o juntamente com outros, que
defendiam a nossa economia e nossa soberania. Para os eminentes constitucionalistas
convencidos pelo sociólogo, empresa nacional é qualquer uma que for
constituída no Brasil, não importa por quem, se norte-americano, chinês
ou maltês, com o capital de qualquer natureza, vindo de onde for (limpo
ou recém-lavado em qualquer paraíso fiscal), e cujo centro de decisões
possa estar em qualquer lugar do universo ou fora dele.
Com todo o respeito pelo presidente Lula, a quem devemos o mais
importante passo em busca da democracia – o de reduzir as desigualdades
internas -, seu governo não pôde cuidar, dentro das circunstâncias em
que se elegeu, da defesa da economia nacional, como era necessário.
Falamos de igual para igual com os outros poderosos do mundo e
restauramos nossa dignidade diplomática, mas as grandes multinacionais
em pouco foram incomodadas. A legislação fernandina (dos dois fernandos,
esclareça-se) permanece. Agora, e ainda a tempo, a presidente Dilma
Rousseff se dá conta de que essa brecha constitucional está permitindo à
China – e também a americanos, espanhóis, italianos e a outros
estrangeiros – aumentar a já demasiada extensa propriedade fundiária em
território nacional, além de outros abusos.
O capital estrangeiro pode ser, e foi, importante no
desenvolvimento brasileiro, mas sob controle. Os imigrantes que chegaram
ao país, a partir do fim do século 19, trazendo seus modestos cabedais,
e se tornaram brasileiros com seu trabalho e seus filhos aqui nascidos,
foram, com todos os outros brasileiros, os construtores do Brasil
moderno. Integraram-se em nossos sentimentos e em nossa geografia.
Alguns deles deram a vida pela nossa pátria, nas lutas internas pela
liberdade e na guerra contra o nazismo e o fascismo. Mas uma coisa é o
capital que aqui chegou, nas ferramentas e nas cédulas amarfanhadas
reunidas pelos que escapavam da crise européia de então, e outra o
capital que vem via eletrônica, e, mais ainda, o acumulado pela
exploração dos brasileiros, com os elevados lucros remetidos em sua
totalidade ao exterior, como ocorre atualmente.
Esta é uma boa oportunidade para que possamos recuperar parcelas
da soberania alienadas pelo governo neoliberal, e restringir, como é
necessário, o direito dos estrangeiros a apossar-se de vastas áreas do
território, seja a que título for. E mais do que isso – para que
possamos restaurar o mandamento constitucional sugerido por Barbosa Lima
Sobrinho e aprovado por uma assembléia constituinte soberana, eleita
pelo nosso povo. A emenda constitucional que o derrogou tem a mesma
natureza daquela que deu ao então presidente o direito à reeleição.
Na segunda década do século passado, em uma imensa serraria de
propriedade de Percival Farquhar, a Southern Brazil Lumber &
Colonization Corporation, em Três Barras ,
no território então contestado entre o Paraná e Santa Catarina, a
bandeira norte-americana era hasteada todas as manhãs e recolhida ao por
do sol. À cerimônia deviam assistir, em postura respeitosa, os
trabalhadores brasileiros. Essa insolência ianque, entre outras causas,
levou os pobres caboclos da região a uma guerra que durou quatro anos e
foi derrotada a ferro e fogo pelas tropas federais. É necessário evitar
que sejamos levados a situação semelhante no futuro.
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